© Bruno Lopes
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Impressão jato de tinta sobre papel de algodão barita
30 cm x 24 cm (cada)
© Bruno Lopes
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Inflorescência (notas de um corpo dentro de outro)
Ao analisar a configuração de algumas plantas, como aquelas que integram a família dos jarros (Zantedeschia aethiopica), rapidamente nos apercebemos da presença de um órgão central (Spadix) caracterizado pela sua expressiva protuberância e tonalidade amarela. Este elemento integra a existência de uma inflorescência de desenvolvimento sequencial que se estabelece ao longo de uma haste, ou eixo caulinar. É em torno desse orgão amarelo que surgem centenas de pequenas flores, responsáveis por garantir a reprodutibilidade da planta, sendo a característica campânula branca que o envolve, uma proteção de possíveis agressões exteriores.
Se estudarmos a forma da planta, rapidamente percebemos que as flores existem no seu interior e que esta, analogamente à gestação do ser humano, configura um sistema de relações em que um corpo acolhe outro. Aprofundando o estudo apercebemo-nos, também, que o desenvolvimento de um processo de inflorescência implica a coexistência de dois sexos no mesmo ser, numa androgenia que abarca e reinventa uma natureza conjunta.
Guiada por uma ideia poética de fluência e entrosamento, Elisa Azevedo apresenta um conjunto de imagens que abordam corpos que comunicam entre si. Corpos que nos remetem para a fisicalidade dos seres, dos elementos naturais e dos objectos, falando do que antecipa um encontro, do que marca uma presença, e do que resta da sua passagem. Assim, focando o olhar nas entidades e nas relações que entre elas se estabelecem, a artista atenta ao modo como as coisas se conectam e à forma como estas reverberam num campo de limites e sobreposições.
Trabalhando sobre a vibração da vontade e a manifestação da matéria, a existência a que Elisa Azevedo se reporta, não fala apenas das particularidades da carne, da natureza das plantas, da especificidade dos objectos, ou do comportamento da água e da luz, mas sobretudo, dos contornos do anseio, da vulnerabilidade da candura e da fragilidade da beleza; percebendo como, caso a caso, tudo se colige. Quando a artista convoca a ideia do corpo, é tão importante a materialidade da sua presença e da sua mudança, quanto a imaterialidade da sua ausência, intuída sob a forma de eco, sussurro ou memória.
Esse diálogo, que balança entre a performatividade que os gestos e os objectos parecem prometer, e uma timidez que por vezes aparenta despontar, acomete-se a um tempo vago. Um tempo que a luz branca, entre a crueza e o encanto, ajuda a sublimar. Na dúvida de uma possível intimidade, que ora nos é concedida, ora nos é retardada, as obras de Elisa Azevedo marcam uma hipótese. Um registo que transita entre algo que está prestes a surgir, algo que está em suspensão, e algo que se encontra em desvanecimento.
Esteticizando um carácter inocente e simultaneamente subversivo, alvo e ao mesmo tempo sexualizado, sedutor e paralelamente insinuante, a fotografia de Elisa Azevedo torna-se difícil de nomear. Talvez por isso, os movimentos que enuncia, as situações que engendra e os corpos que aponta, equacionam, delicadamente, uma ideia subtil, mas poliédrica, de um corpo dentro de outro.
– Sérgio Fazenda Rodrigues