© Bruno Lopes & UMA LULIK__
© Bruno Lopes & UMA LULIK__
Impressão em Diasec
120 x 80cm
Edição única
Alumínio lacado, lâmpada LED
20 x 44 x 13 cm
Edição única
Chapa de alumínio lacada, gel de ultrassom, objectos impressos em 3D, luzes LED
150x75x50cm
Edição única
Edição única
O vive num bom apartamento, O é jovem, O é vegana, é criativa, não binária, gosta de desporto, gosta de yoga e diverte-se a descarregar, colecionar e partilhar no Instagram imagens de plantas que agradam a O e aos contactos de O. São imagens com um perfil botânico e claramente científico, como um Species Plantarum. O interessa-se apenas nas raridades formais, em espécimes exóticos e incomuns, com formas antropomórficas, fungos dos quais se extraem géis e insólitas flores hermafroditas; Clathrus archeri, Trametes versicolor, Laccaria amethystina. Entusiasma-se com os tentáculos dos Entoloma hochstetteri, com os simulacros fálicos dos Phallus indusiatus, os azuis da Lactarius indigo e as protuberâncias alienígenas do Hericium erinaceus. Quando O procura as suas imagens na Internet, O encontra um prazer erótico, mágico, quase orgásmico, que é para O um novo ritual ancestral. Lycra, música ASMR, sofá ergonómico, O acende o vaporizador com óleos essenciais de ylang-ylang e faz deslizar os seus dedos no iPad. Zaap… uma imagem… hipnotizada desliza a mão… fsssh… Prazeres digitais. Os seus dedos deslizam pelos jpgs de baixa, média e alta qualidade das árvores da floresta húmida javanesa. Desloca a sua mão pelo ecrã enquanto as imagens da natureza de sítios onde O nunca irá se agarram às suas unhas de silicone antes de entararem e fazerem parte do seu arquivo. Por acaso, não sei, coisas do algoritmo, o Google propõe, no meio das suas plantas, imagens de mãos protéticas reminiscentes das extensões do Hydnellum peckii.
Está na hora, está na hora do ginásio que hoje há aula de meditação. As luzes estão apagadas na sala, apenas permanecem acesos alguns LEDs azuis entre as plantas de plástico. A mesma rotina, deitada, olhos fechados, o som de tigelas tibetanas sai do iPhone da professora. O relaxa profundamente, relaxa a mandíbula, os braços, o rabo, os pés, relaxa as pernas, relaxa-se toda e imagina-se uma ciborgue coberta por uma pele de borracha macia. Com o seu corpo sintético, O caminha afastando os ramos das árvores de uma floresta de sequoias e tocando com a sua mão protética tudo o que pode e que os seus dedos alcançam; toca a terra molhada, as árvores-da-borracha e a Heliconia. O imagina os odores, uma mistura mais ou menos equilibrada entre alguns eflúvios de sedimentos decompostos, um forte fedor de algas e nenúfares, pútrido e pantanoso, e suaves perfumes de flores tropicais. O acaricia tudo mas não sente nada, porque O, a meio caminho entre a porra da sala do ginásio e as selvas de Java, está viva e morta ao mesmo tempo. Respira profundamente outra vez, afunda os seus pés de ciborgue na lama.
A artista Inês Norton (Portugal, 1982) criou Haptikos para a galeria Uma Lulik, uma exposição individual com uma obra site-specific composta por um vídeo de 2’54’’ e duas instalações. No vídeo podemos ver uma mão coberta por uma luva cirúrgica de látex que move os seus dedos, reproduzindo os movimentos que fazemos habitualmente para visualizar o conteúdo dos nossos dispositivos eletrónicos com ecrãs tácteis, televisões, tablets e telefones.
A mão move-se lentamente, rítmica, relaxada. Os dedos deslocam-se de uma forma que oscila entre o comum e o sensual. As imagens do vídeo são acompanhadas por uma banda som produzida especificamente para este projeto em colaboração com o conhecido artista português Pedro Tudela. O som é ambiental, metálico, sintético e envolve a experiência com um halo que perverte e assombra as imagens.
Como uma nova representação dos mudras hindus, a mão de Norton move-se ao ritmo destes novos asanas, que aqui se apresentam como gestos para a meditação que fazem uso de posições que remetem para o universo da tecnologia. É uma coreografia de um neobudismo fictício que abraça a contemporaneidade, a ultramodernidade líquida. A mão de Norton evoca uma pós-espiritualidade que glorifica o progresso tecnológico e abraça o futuro.
Borrachosa, artificial, limpa, flexível, leve, nova, monstruosa, cirúrgica, escorregadia, compressível, sexy, imperecível, luminosa mas sinistra, macia como silicone e como látex. A obra da artista propõe uma união entre o religioso, o arcaico, o profano e o contemporâneo. A representação de novas formas de ritualizar a nossa vida. Somos testemunhas desta união simbiótica entre mudras e uma forma assética e clínica de nos relacionarmos com a realidade. A matéria mediada pelo sintético. Uma nova semiótica: mão, borracha, objeto.
No espaço insolitamente frio da galeria (há uma peça escondida que retira, joule a joule, a energia térmica da sala), o ar gelado é o trabalho da artista que nos toca e morde a pele. Dentro desta experiência, duas instalações completam a exposição. Na primeira, vemos uma caixa, um tabuleiro de água com aspeto clínico, polido, assético e sideral. Dentro, identificamos uma série de objetos esculturais impressos em 3D com formas ergonómicas ou mesmo anatómicas, reminiscentes do mundo marinho. Formas que evocam corais, formações minerais, estruturas brancas, ósseas, frágeis e sintéticas. Elas flutuam como se estivessem em suspensão naquele gel transparente dos ultrassons, um deleite gelatinoso e pastoso. A peça de Norton é um pequeno ecossistema que une o mundo do orgânico e mortal à ficção a que chamamos tecnologia. Não longe, no mesmo espaço, está uma concha de dimensões gigânticas em alumínio lacado com uma pequena e elegante pérola dentro. É uma exposição cheia, repleta de memento mori. Inês fala-nos de seres vivos e das suas qualidades orgânicas, da sua fragilidade e formas simbióticas, da sua adaptabilidade. A artista mostra-nos objetos monstruosos e inermes como uma alegoria de nós. O seu trabalho faz-nos sentir um certo prazer, um arrepio no confronto com o desconhecido, esse território fronteiriço para o qual caminhamos entre um mundo orgânico e seguro que se esgota, e os avanços do progresso tecnológico como paradigma do futuro em que entramos.
Texto por Mit Borrás