Catarina Mil-Homens, UMA LULIK_ _
Fotografia: Bruno Lopes
Carvão, vidro, cabo de aço.
UMA LULIK_ _
Fotografia: Bruno Lopes
Catarina Mil-Homens, UMA LULIK_ _
Fotografia: Bruno Lopes
Acrílico, carvão.
UMA LULIK_ _
Fotografia: Bruno Lopes
Acrílico, carvão.
UMA LULIK_ _
Fotografia: Bruno Lopes
Acrílico, carvão.
UMA LULIK_ _
Fotografia: Bruno Lopes
A lâmina de uma faca subtil
As obras apresentadas por Catarina Mil-Homens em Sobre a Lâmina surgem das sombras, do imaterial e do intocável, rasgando o caminho até à luz que habita o espaço do substancial e do nominável. O protagonista dos seus trabalhos é o carvão, matéria reconhecida pela dualidade entre uma força efémera e uma marca de permanência, em desenhos moldados pela repetição do gesto e pela sobreposição de estratificações compactas de pó profusamente negro.
Através da densa acumulação de pó de carvão, Catarina Mil-Homens cria zonas de escuridão absoluta, ilusórias por esconderem em si a sua verdadeira profundidade, despertando a atracção pelo abismo, que se torna magnético na promessa do entorpecimento dos sentidos. O material torna-se secundário nesta queda, mergulha-se numa obra para se emergir noutra e submergir-se logo em seguida, uma e outra vez — todas elas estão ligadas, portas abertas para consecutivos abismos. Entre as obras apresentadas em Sobre a Lâmina existem relações próximas, de sucessividade ou simultaneidade, sendo difícil estabelecer uma cronologia dentro de cada momento de criação. É esta formação de uma unidade estética coesa que constitui as obras, na sua totalidade, como instalação e não como obras individualizadas, criando um ambiente que ocupa toda a sala, e renegando qualquer hierarquização dos trabalhos: não se retiram nem se sobrepõem, mas acrescentam-se sempre, mútua e infinitamente.
Reflectindo sobre a materialidade, seja a do carvão ou a da própria existência, Catarina Mil-Homens sobrepõe o peso da visualidade do medium, que subjuga pela absorvência total da luz que nunca reflecte, à ausência de peso físico, mensurável, do medium enquanto objecto. É nesta assimetria entre o peso efectivo e o peso sensorial, entre o palpável e o intangível, que se dá o corte com o real – e de novo a existência é sugada para um buraco negro carbónico. A ilusão dá-se na plasticidade dos objectos, na textura que se vê e na escuridão que se sente, na subtileza de cada grão que compõe o espaço e relativiza o tempo. Esta é a lâmina de uma faca subtil, que encontra o nó, a falha, no plano dimensional que habitamos, desliza pela fissura e corta a passagem para o outro lado.
Para pensar a materialidade é impossível não recorrer à que mais se aproxima da consciência: o corpo que a mesma habita e que a contém. Percebendo esta relação como simbiótica mas (muitas vezes) estritamente fechada, a superação do corpo físico através da acção pode trazer uma outra ligação com o que existe para além do matérico, e novas formas de o substancializar. Através da reiteração do gesto manual, disciplinado, Catarina Mil-Homens leva o corpo ao limite da exaustão, até este se tornar também uma lâmina, abrindo fendas que permitem a outros e outras espreitar para um abismo que só ela consegue abarcar, por se encontrar no fio desta lâmina, sobre e sob a lâmina, olhando para os dois lados.
Perante o abismo sente-se sempre, porque a escuridão também é vertigem.
Marta Espiridião